Afinal, o que é imunidade de rebanho?
Por Suprevida
Para começo de conversa, vamos a um fato simples. Existem três maneiras de interrompermos a propagação do coronavírus.
Uma envolve restrições bem duras à circulação de pessoas, proibir aglomeração de pessoas, bem como fazer testes em um número gigantesco de pessoas.
Quando se testa milhões de pessoas, dá para saber quem está contaminado com o vírus e mandá-lo para casa para fazer a quarentena, impedindo que essa pessoa continue a circular na rua e transmitir o vírus.
Atualmente, isso está bem difícil, porque cada país está agindo de forma diferente. Tem desde os que não deixam ninguém sair de casa, a não ser com uma justificativa (ir ao mercado ou a farmácia, por exemplo, mas com comprovação médica de que você precisa do remédio) até aqueles que não fecharam nada e estão confiando que as pessoas vão fazer o seu papel na prevenção, como é o caso da Suécia.
A segunda maneira é ter uma vacina. Todo mundo toma e fica protegido. Igual a vacina da gripe, do sarampo ou da febre amarela, tomaríamos uma vacina que nos garantiria proteção contra o Sars-Cov-2. Acontece que os cientistas ainda estão estudando isso. Não temos uma vacina ainda.
O terceiro jeito também é efetivo, mas horrível de considerar: esperar até que um número grande de pessoas pegue a doença e, se elas sobreviverem, vão ficar protegidas. Se existe um número muito grande de pessoas já protegida, o vírus para de se espalhar, porque se ele quiser se propagar, vai ficar cada vez mais difícil encontrar alguém que não esteja protegido naturalmente. Esse fenômeno é o que os especialistas chamam de imunidade de rebanho.
Pelo que já se conhece do coronavírus, conseguiríamos frear esse surto se 60% da população mundial tivesse sido infectada. Essa porcentagem não é chute. Pesquisadores chegaram a esse número através de modelos matemáticos.
O que é imunidade
Quando uma quantidade grande da população fica resistente a um vírus, a propagação desse microrganismo para naturalmente, porque poucas pessoas são capazes de transmiti-lo. Assim, o "rebanho" fica imune, mesmo que muita gente ainda não esteja imune.
As vacinas também criam imunidade de rebanho, quando existe uma campanha forte e muita gente toma. Foi assim, por exemplo, que doenças como a varíola foram erradicadas.
O que é imunidade? Na verdade, imunidade é um processo complexo, diz Reinaldo José Lopes, repórter de Ciência da Folha de S. Paulo. Acontecem mil e uma coisas diferentes no nosso corpo quando a gente vai ganhando imunidade a um vírus ou a um micróbio, por exemplo.
Mas, em linhas gerais, as células do nosso sistema de defesa (o sistema imunológico), ao terem contato com aquela ameaça, aprendem a reconhecer o inimigo se toparem de novo com ele e formam uma memória daquele inimigo que elas já enfrentaram.
Essa memória fica armazenada nas próprias células do sistema de defesa e também nas substâncias que elas produzem, que são os famosos anticorpos. Os anticorpos só conseguem reconhecer um inimigo específico. Ou seja, anticorpo produzido contra o coronavírus só protege contra o coronavírus. O anticorpo produzido quando pegamos sarampo só vai nos proteger no futuro contra o sarampo.
Os anticorpos ajudam a nos deixar imunizados porque eles se encaixam no vírus ou na bactéria impedindo que ele entre nas nossas células. Isso é super importante especialmente para nos proteger de um vírus, como é o caso do coronavírus, pois para ele poder se multiplicar ele precisa entrar dentro de uma célula. Por isso, se o vírus parar de entrar nas suas células, você não ficará doente.
Uma das crenças erradas sobre o sistema imunológico é que ele serve apenas para defender o corpo de infecções. Essa barreira protetora do organismo também participa do combate a outros agentes nocivos, como o câncer, além de ajudar na cicatrização de feridas, entre outras coisas.
Vacina também gera imunidade
Quando tomamos vacina, também ficamos imunizados ao micróbio que queremos. Isso acontece porque a imensa maioria das vacinas contém o micróbio morto ou micróbios que foram previamente atenuados. Imagine que o vírus fosse um ladrão. Atenuar esse meliante seria algo como amarrar as mãos dele. Sem as mãos livres, ele não consegue fazer nada dentro da casa (o nosso organismo).
Ao ter contato com esses germes, o sistema de defesa deflagra todos aqueles mil e um processos que vão resultar na produção de anticorpos.
O coronavírus é novo
Ninguém conhecia o coronavírus até ele aparecer em Wuhan, na China, em dezembro passado. A mesma coisa aconteceu, por exemplo, com o Zika vírus quando ele surgiu.
Como o coronavírus é novo, não parece que alguém esteja imune a ele. É isso inclusive que permite que ele se espalhe tão rapidamente e também por isso ele tem efeitos tão graves em algumas pessoas.
Para que a imunidade do rebanho se estabeleça, as pessoas devem se tornar resistentes após terem sido infectadas. Isso ocorre com muitos micróbios: as pessoas que foram infectadas e depois se recuperaram tornam-se resistentes a contrair a doença novamente, porque seu sistema imunológico produz anticorpos capazes de derrotar a doença.
Millhares de pessoas já se recuperaram da COVID-19. Na teoria, essas milhares de pessoas já estariam imunizadas, pois tiveram contato com o coronavírus e produziram anticorpos contra ele.
O problema é que, justamente porque o Sars-Cov-2 é novo, ninguém sabe se essas defesas naturais produzidas pelo nosso sistema de defesa vão durar para sempre.
Já conhecemos muito bem um vírus cuja imunidade não dura para sempre: o da gripe. Esse micróbio encontra maneiras de manter-se sempre mudando, por isso a imunidade contra ele não é completa. Essa é a razão de todo ano precisarmos tomar uma nova vacina contra gripe.
Essa ideia de imunidade de rebanho leva em conta quão rápido cada vírus consegue se espalhar. O vírus do sarampo, por exemplo, é um dos que é mais facilmente transmitido. Cada pessoa infectada consegue passar, em média, para 12 pessoas! Por causa disso, no caso do sarampo, 90% das pessoas precisam ter tomado a vacina para o vírus não voltar a circular.
Veja o que está acontecendo devido ao crescimento das pessoas que não acreditam que a vacina protege. O sarampo está voltando com tudo em várias partes do mundo.
O coronavírus também é transmitido rapidamente. Uma pessoa infectada, em média, passa o vírus para outras 3. Daí a necessidade de 66% da população mundial ter tido contato com ele para não haver mais surto da doença. Só que essa ideia da imunidade de rebanho não só é uma ideia polêmica como tem um custo humano imenso. Quem vai arriscar expor o seu povo sendo que 1 ou mais pessoas a cada 100 morrem da doença? Isso está acontecendo na Suécia. Parece que lá são poucas mortes, mas, comparativamente à sua população, há um número enorme de mortos.
Por isso, se você pode, fique em casa. Respeite o isolamento social!